HISTÓRIAS E CULTURA
Ourivesaria Tradicional Portuguesa
— Filigrana e Granulado —
Imerge connosco no mundo da Ourivesaria Tradicional Portuguesa,
nas suas histórias, costumes e usos enraizadas em Portugal.
Imerge connosco no mundo da Ourivesaria Tradicional Portuguesa,
nas suas histórias, costumes e usos enraizadas em Portugal.
A Ourivesaria é uma arte milenar, transmitida de geração em geração, de trabalhar o ouro ou a prata, através de técnicas como a filigrana e o granulado. Os seus processos manuais exigem dos artesãos um trabalho de grande destreza e atenção aos detalhes, uma perfeição que requer anos de experiência e dedicação.
Rastreável à civilização Greco-Romana e alegadamente trazida pelos antigos Fenícios, a filigrana e o granulado estão enraizados no Norte de Portugal, nomeadamente na Póvoa de Lanhoso, Terra do Ouro. Transmitida de geração em geração, a filigrana e o granulado são artes milenares de trabalhar o ouro ou a prata numa manufatura 100% artesanal.
Não se sabe concretamente a origem desta arte, sabe-se, contudo, que desde o Calcolítico (3º milénio a.C.) e em grande parte da Idade do Bronze (2º milénio a.C.) já se utilizava a técnica da martelagem e do repuxado. No Bronze Final (1º milénio a.C. a 800 a.C.) já recorriam à fundição em moldes de areia, o que demonstra conhecimentos da técnica da soldadura. Entre o Bronze Final e o limiar da Idade do Ferro (600 a.C.) existe um aumento do conhecimento e compreensão dos metais, das ligas metálicas e das temperaturas exigidas a diferentes processos que permitiram o aperfeiçoamento das técnicas. Com esta evolução surgem duas grandes técnicas de decoração: o granulado e a filigrana. O fio utilizado para a técnica da filigrana era cortado em tiras finas e estreitas que eram posteriormente enroladas entre placas de pedra.
A partir do 3º milénio, floresce em Portugal uma produção de trabalhos em metais nobres resultante de várias influências. As peças que surgem neste período são maciças, de influência celta, mais precisamente braceletes e torques. Exemplo dessas mesmas peças são os torques em ouro que surgem no Castelo da Póvoa de Lanhoso, o Castro de Lanhoso. Já de influência mediterrânica, são exemplo as contas, arrecadas e pendentes, decorados com a utilização da técnica da filigrana e do granulado. No final da Idade do Ferro, são exemplo de esplendor da cor e do brilho do ouro as arrecadas de Laúndos, Carreço e Estela.
Nos séculos XI e XII, em Portugal, são escassas as referências ao trabalho em ourivesaria, sendo que predominaram neste período as peças de arte sacra também com decorações filigranadas. Já no século XIV, em específico na segunda metade do século, as oficinas de ourives instalam-se nos centros urbanos e a ourivesaria volta a afirmar-se após a gradual libertação da hegemonia religiosa. Até ao século XV/XVI, a ourivesaria portuguesa não apresentava um carácter próprio, não possuía tradição artística e recorria a elementos de outros países, particularmente da arte francesa. Só no século XVI, com mais recursos e facilidade em obtê-los, atinge o seu esplendor com forte inspiração no estilo Manuelino e atrai ourives estrangeiros que introduzem novas técnicas, processos e formas. No século XVII, a ourivesaria qualifica-se técnica e esteticamente e marca a sua transição para o século XVIII com o aumento da produção, devido essencialmente a encomendas reais e da Igreja. Neste período, a utilização da técnica da filigrana começa a desaparece de objetos eruditos e regressa aos modelos e usos populares.
A partir do século XIX, a filigrana ganha autonomia e importância na ourivesaria portuguesa, em particular nos dois concelhos onde ainda hoje se mantém a mesma tradição, na Póvoa de Lanhoso e em Gondomar. As oficinas de ourivesaria, em particular na Póvoa de Lanhoso, trabalhavam a filigrana para um mercado muito específico e popular, de que é exemplo Viana do Castelo. A cidade de Viana do Castelo, essencialmente pela tradição das festas, costumes e o Desfile das Mordomas, preservou e enraizou em Portugal as tradições da arte e do uso das peças mais icónicas da ourivesaria. Nos seus Desfiles de Mordomas, sob lindos trajes minhotos de noiva, mordoma e lavradeira, ostentam os seus peitos com o ouro da família, tradicionalmente os Corações Minhotos (ou de Viana), colares de Contas Minhotas (ou de Viana), Brincos à Rainha, Arrecadas, Laças filigranadas, Aros de Libra, Cruzes de Malta, Relicários, Gramalheiras, entre outras.
Na segunda metade do século e devido à crise económica, política e social, a ourivesaria sofre um novo abalo e perde-se a tradição do ensino destes ofícios. Esta arte, comum a vários países no mundo e, em Portugal a dois grandes núcleos, difere, embora que subtilmente, na técnica de preenchimento do esqueleto da peça com o fio da filigrana, fruto do desenvolvimento individual da técnica por cada núcleo.
Atualmente observa-se um rejuvenescer da arte da filigrana, fruto de um aumento da procura por joias de filigrana, da modernização dos modelos e do apreço pela manualidade da técnica e arte da filigrana e, também, do granulado.
O processo da filigrana inicia-se no pesar dos materiais para a produção de uma liga que, em Portugal, tradicionalmente em ouro é a liga de 800 (19.2k) e em prata 925. Isto significa que o peso de uma joia de ouro 19.25k, 80% representa ouro puro (24k) e os restantes 20% uma junção de prata e cobre para tornar o material trabalhável. Procede-se ao derreter desses materiais (fundição) a temperaturas elevadas que, depois de fundido, é vertido para uma rilheira, uma superfície longa, estreita e lisa específica para o processo.
A barra de fio obtida é repuxada para a espessura desejada. Depois de esticar o material nobre para a espessura de um fio de cabelo, dois finos fios são entrelaçados com a ajuda de duas tábuas de madeira para criar um fio torcido para criar o fio de filigrana.
Um fio, mais grosso e liso, é achatado para construir o esqueleto da peça idealizada, que mais tarde são preenchidos todos os seus espaços vazios com os finos fios de filigrana. Na extermidade do fio de filigrana é feita uma pequena cabeça (chamado olhete) e é depois cortado o fio no tamanho necessário para inserir no interior da estrutura. O processo repete-se, sendo os fios colocados lado a lado até estar totalmente preenchida e segura sob pressão desses mesmos fios.
A peça já preenchida com a filigrana é então soldada com o pó do material nobre (solda). Após este processo, são dados os retoques finais. É dado um banho para realçar a cor natural do material nobre e polido para realçar o brilho.
O processo do granulado começa no derreter (fundição) da liga de ouro ou de prata para uma rilheira, uma superfície longa, larga e lisa específica para o processo. A barra obtida é repuxada para a espessura desejada. Depois de esticar o material nobre para a espessura desejada, é feito o mesmo processo para fio.
Os fios, já na espessura desejada, são entrelaçados entre si para criar um fio torcido. São também feitos, com o mesmo material, pequenas bolas chamadas de granitos.
A chapa lisa é então decorada com pequenos comprimentos de fio torcido e granitos ao gosto do artesão para criar uma joia etrusca, todos colocados sob a chapa individualmente.
A peça já decorada é então soldada com o pó do material nobre (solda). Após este processo, são dados os retoques finais. É dado um banho para realçar a cor natural do material nobre e polido para realçar o brilho.
A Filigrana, umas das várias técnicas da ourivesaria tradicional portuguesa, é uma arte e técnica ancestral de trabalhar os materiais nobres num fabrico manual. A sua história, tradição e uso estão enraizados em Portugal, especialmente na região do Norte do país. As duas principais zonas deste fabrico, a Póvoa de Lanhoso e Gondomar, uniram-se em 2017, com o apoio das respetivas câmaras municipais, para certificar a filigrana com um único selo, a Filigrana de Portugal. Uniram-se com o propósito de valorizar a técnica ancestral e manual da filigrana, em defesa da manualidade da arte contra imitações industriais que desprestigiam a mesma.
A certificação da filigrana artesanal permite aos artesãos/ourives a valorização da sua arte e ofício e ainda, a divulgação da filigrana como uma técnica artesanal com uma forte e longa tradição em Portugal, com as suas características próprias que a diferenciam de produções de outros países.
Desde 2018, todas as joias de filigrana executadas segundo processos manuais, estes que em grande parte se mantém idênticos desde há muitos anos, são devidamente acompanhadas do punção de Filigrana de Portugal na própria joia e do Certificado de Filigrana de Portugal (físico) com um código único respetivo à mesma. Desta forma, o consumidor é apresentado com uma joia única e distinta, seguramente manufaturada através dos processos de produção artesanal que a caracterizam, impedindo que o consumidor a confunda com produções industriais.
A Ourivesaria Tradicional Portuguesa é rica nas suas simbologias e costumes, repleta de joias com centenas de anos, joias intemporais.
O Coração Minhoto, também conhecido como Coração de Viana, é uma das peças mais icónicas da Ourivesaria Tradicional Portuguesa que se tornou um símbolo de Portugal. A sua usual denominação de Coração de Viana é fruto da tradição do uso e de festividades como as Festas da Srª da Agonia na cidade de Viana do Castelo, embora este não seja exclusivo da cidade nem lá fabricado.
A sua origem é incerta e muitas vezes associada a um símbolo de amor, contudo, crê-se que que terá sido D. Maria I que mandou executar um coração em ouro como gratidão pela bênção de lhe ter sido concedido um filho. Não se trata, portanto, de um símbolo de amor, mas sim um símbolo de dedicação e culto do Sagrado Coração de Jesus. Como muitas outras joias tradicionais da ourivesaria portuguesa, este Coração tem um enorme cariz religioso, sendo a parte inferior o dito coração e a parte superior as chamas representativas do intenso amor e dedicação ao Sagrado Coração de Jesus.
Este símbolo de Portugal é das joias de Ourivesaria Tradicional Portuguesa mais icónicas e importantes em Portugal. Com o passar dos anos, começa a ser relacionado com o amor profano, símbolo da ligação entre dois seres humanos e a sua representação pode ser encontrada nos mais variados objetos. Mantendo a tradição das técnicas e do desenho, surgem adaptações do Coração Minhoto com um design mais moderno.
Os Brincos à Rainha surgem em Portugal durante o reinado de D. Maria I, Rainha de Portugal, contudo, só é atribuído o nome de Brinco à Rainha durante o reinado de D. Maria II. É quase unânime que o nome de Brincos à Rainha tenha tido origem em Viana do Castelo, aquando da visita da Rainha à Cidade e lhe foi oferecido um par em ouro. Rapidamente, este par de brincos de uso popular ganhou o estatuto e símbolo de riqueza sendo, noutras zonas do Minho, também conhecido como brinco “à moda da rainha” ou brinco “de mulher fidalga”.
Esta joia da ourivesaria tradicional portuguesa, como muitos outros exemplos, acarretam enorme simbologia, em particular o símbolo feminino e de fertilidade feminina. O símbolo feminino está presente na forma triangular da extremidade do brinco e a fertilidade feminina, também visto como a ligação entre mãe e filho, está presente da peça central circular que se encontra vinculada, embora pêndula, à peça que o envolve.
Descendente dos Brincos à Rainha, os Brincos à Princesa apresentam as mesmas simbologias e formatos, com a diferença de serem fabricados em filigrana e não chapa.
O Relicário, também conhecido como Custódia, tem influência religiosa e é das principais peças da Ourivesaria Tradicional Portuguesa. Presumidamente descendentes dos Relicários Romanos, perduram nos dias de hoje sob várias formas e modelos. De entre Relicários em filigrana, em chapa, com o uso do esmalte ou uso de pedras turquesas, o mais tradicional inclui a simbologia do martírio de Cristo em redor do elemento central.
Semelhante aos Brincos à Rainha, também os Relicários são símbolo de fertilidade feminina pelo uso do triângulo invertido, símbolo feminino já utilizado na época.
As Arrecadas, também conhecido como Bambolinas, acarretam enorme simbologia nos vários elementos que a compõe. Descendentes das arcaicas arrecadas castrejas, como é exemplo as Arrecadas de Laúndos, arrecadas de Estela e outras, encontradas em locais castrejos da 2º Idade do Bronze, mantém várias características em comum de influência helénica.
De entre forma de ferradura do gancho que atravessa a orelha é um amuleto, símbolo de sorte.
A forma lunular presente no elemento aberto e central das arrecadas e, também, no elemento suspenso presente nessa abertura, a chamada bambolina, são símbolo de proteção, o amuleto astral que afasta os maus espíritos.
A forma triangular na extremidade da arrecada é a representação de cachos de uva, símbolo de fertilidade. Este símbolo feminino está presente em quase todos os brincos antigos, como é exemplo o Relicário e os Brincos à Rainha.
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